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Drogas nos Esportes: Dos Anabolizantes ao Doping Genético


Madilson Medeiros
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Drogas nos Esportes: Dos Anabolizantes ao Doping Genético

Desde os tempos mais remotos, o homem busca formas de aprimorar suas capacidades a fim de superar seus limites. O uso de substâncias tidas como capazes de aumentar as aptidões físicas não é algo recente. Sua utilização pela humanidade remonta das civilizações mais antigas, quando se acreditava que as propriedades de algumas ervas ou alimentos tinham o poder de aumentar a força, resistência e agilidade dos guerreiros.

Na China, há mais de 2000 anos A.C., já eram conhecidos os efeitos de uma erva denominada Ma-huang, que tinha como característica o aumento da resistência. Também datam desta época a Ephedra e a Mandrágora. A cola já era usada na África como estimulante e o ópio era muito consumido na Grécia e Ásia da antiguidade. No século XVI, ao colonizarem a América do Sul, os espanhóis observaram o curioso hábito de mascar folhas de coca como um recurso dos nativos para aumentar a capacidade e vigor físicos. Neste ínterim, utilizava-se na Europa bebidas contendo cafeína. A morfina foi isolada no início do século XIX e passou a ser utilizada em cavalos na Inglaterra.

A utilização de recursos como meio de aumentar as habilidades físicas e psíquicas teve uma estreita relação com as guerras e conflitos entre os povos. Para produzir guerreiros capazes de defender seus interesses, cada nação lançava mão do uso de substâncias “milagrosas”. A própria morfina foi utilizada como anestésico durante a guerra civil americana, ainda no século XIX. A invenção da agulha hipodérmica facilitou e popularizou seu uso nos fronts de combate. No século seguinte, os soldados recebiam em seu kits de sobrevivência anfetaminas que os mantinham acordados e em estado de alerta. Mais tarde estas substâncias seriam largamente utilizadas nos esportes, evidenciadas pelo consumo excessivo e ocorrência de óbitos entre alguns atletas, o que deu origem à preocupação quanto ao uso de compostos desta natureza nas competições esportivas.

Os anabolizantes esteróides androgênicos datam de 1935, quando se conseguiu sintetizar testosterona a partir de colesterol em laboratório. A partir dai, a recém-descoberta testosterona sintética foi utilizada em situações terapêuticas na quais havia dificuldade de síntese e retenção protéica. Antes deste feito, a testosterona era obtida através de testículos de animais. Alguns anos após, durante a 2ª guerra mundial, alemães administraram testosterona em seus soldados, cientes dos poderosos benefícios ergogênicos deste composto. O uso destas substâncias se estendeu para o esporte e colocou os atletas do bloco oriental em superior vantagem em relação ao resto do mundo.

A partir da constatação do uso abusivo de substâncias otimizadoras da performance, se fez necessária uma vigilância quanto à utilização destes produtos, não tão somente pela busca da igualdade de condições entre os atletas, mas também pelo número crescente de casos de óbito entre os usuários destes recursos. Nos anos 60, durante os jogos olímpicos no México, o COI – Comitê Olímpico Internacional – divulgava para o mundo o conceito de doping e sua proibição no esporte. Desde então, tem sido travada uma batalha por parte dos comitês para estabelecer, regulamentar e dispor acerca das proibições quanto ao uso de drogas no esporte.

Embora haja uma larga fiscalização por parte das autoridades responsáveis, sempre houve relatos de tentativas de burlar as proibições impostas pelo COI. Muitos atletas, em conjunto com médicos e bioquímicos, conseguiram mascarar o uso e passar ilesos nos testes anti-doping. Estas manobras tem levado o COI a sempre revisar e atualizar não só a lista de substâncias proibidas, bem como o rigor na confecção dos testes. Alguns atletas são chamados aleatoriamente para realizar testes mesmo fora do período de competição (out of competition) para que o uso não se restrinja somente à fase dos jogos.

Através da busca incessante por representantes cada vez mais fortes, velozes e ágeis, surgiu uma inevitável tendência por parte de cada nação em fabricar campeões. A guerra entre muitos países conheceu uma relativa trégua nos campos de combate e foi transferida para os ginásios, arenas e pistas. Especialmente em tempos de expansão nazista, Hitler e sua Alemanha ariana se recusaram a aceitar a vitória de afro-americano Jesse Owens sobre os atletas alemães. Na primeira edição dos Jogos Olímpicos transmitida ao vivo, o mundo assistiu atônito à retirada de Hitler para não ter que premiar um atleta de raça “inferior”.

Hoje, o esporte assumiu vultosa influência no comportamento das pessoas levando a hipervalorização corporal e sobretudo à necessidade de superação de limites. A indústria do esporte movimenta cifras bilionárias ao redor do mundo e cresce a cada dia. Os atletas são considerados heróis nacionais e exemplo a ser seguido. Os EUA investem altas quantias para manter a invencibilidade e hegemonia dos seus atletas de tal sorte que as medalhas olímpicas parecem representar a força de cada nação, medida pela capacidade física de seus esportistas.

Toda essa valorização exacerbada, porém, se desvanece quando um desses representantes é flagrado usando métodos proibidos. Não está em questão se o atleta realmente faz uso ou não: o que realmente está em jogo é a comprovação dessa utilização. Até aquele momento, o “super-homem” é o exemplo máximo de conduta moral, até chegar o fatídico momento do teste positivo. Para muitos atletas significa o fim da uma carreira, da aceitação e carisma perante o público, sobretudo é também a confirmação cruel de que ele era simplesmente humano; que seus poderes eram fruto exclusivo de alguma fórmula mágica.

Apesar das restrições, a procura pelo Graal do rendimento esportivo continua a ser buscada incessantemente. Novas descobertas, novos recursos são criados à passos largos. Atualmente, a pesquisa cientifica avança em relação à manipulação genética como um meio promissor de alterar determinadas características fenotípicas (e até genotípicas!). Embora muitas dessas pesquisas não tenham como objetivo a melhora da performance e sim a terapêutica em patologias especificas, a história se repete. O doping genético, como ficou conhecido, é a mais recente evolução dos antigos métodos de otimização do desempenho atlético.

Todas as funções metabólicas de nosso organismo são mediadas por atividade gênica. Muitos genes são responsáveis por características que favorecem ou limitam a capacidade do individuo. Genes que codificam bloqueadores de miostatina, síntese de GH, IGF-1, endorfinas, eritropoietina, leptina etc. são os mais estudados para este fim. Esta manipulação gênica também é interessante não tão somente do ponto de vista do aumento do desempenho, mas também da recuperação de lesões e traumas comuns à prática esportiva. Muitas vezes incidentes como esses acarretam o fim da carreira de grandes atletas.

A prática da terapia gênica se dá pela ativação ou inativação de determinado gene de células-alvo específicas. A introdução do material genético é feita através da ação de vetores virais (que tem a capacidade de se agregar à estrutura do DNA, modificando sua expressão gênica), lipossomas ou macro moléculas conjugadas ao DNA. Ainda se desconhece que tipo de efeitos decorrentes desta manipulação possam acontecer, por se tratar de uma técnica relativamente recente. A maior preocupação reside no uso de vetores virais para introdução do material genético, justamente por sua capacidade mutagênica. Abaixo, alguns exemplos de terapia gênica considerados como doping genético.

BLOQUEADORES DE MIOSTATINA

O interesse por parte da comunidade científica nesta área de estudo surgiu da observação de uma peculiaridade de uma raça bovina em particular, o Belgian Blue.

Estes animais tinham como característica uma massa muscular exagerada, praticamente o dobro de outras raças, sem uso de nenhuma ração especial ou administração de esteróides anabólicos, cujo uso é comum em rebanhos bovinos.

Os cientistas descobriram que estes animais apresentavam uma mutação em certos genes que codificam proteínas reguladoras do crescimento muscular, sendo uma delas conhecida como miostatina.

Através de terapia gênica em laboratório, foi feita alteração nos genes responsáveis pela produção de miostatina em ratos e foi observado efeito semelhante ao ocorrido no Belgian Blue.

Os inibidores de miostatina imediatamente foram associados à alterações capazes de aumentar o desempenho atlético, por iinduzir crescimento muscular. Algumas empresas de suplementação até se aproveitaram da idéia e lançaram supostos produtos com esta capacidade de inibição da miostatina, porém sem muito sucesso.

Todavia, mesmo conseguindo excelentes efeitos nos experimentos realizados com ratos, os estudos não são conclusivos uma vez que os roedores eram transgênicos, ou seja, suas características foram alteradas ainda em fase embrionária. A manipulação foi responsável tanto por hipertrofia como por hiperplasia, mas durante o crescimento a hiperplasia é comum tanto em ratos quanto humanos. Resta saber se em indivíduos em idade adulta, estes dois fenômenos ocorreriam. Também há a possibilidade, segundo os pesquisadores, de alterações em outros tipos de tecido muscular, como o cardíaco e o liso, o que poderia trazer problemas em relação à atividade de órgãos compostos por estes tipos de músculo, como o coração e trato entérico, respectivamente. Os estudos prosseguem enquanto crescem as expectativas quanto às possibilidades do emprego de inibidores da miostatina tanto no campo terapêutico, quanto no rendimento esportivo.

GH e IGF-1

Em relação ao GH – hormônio do crescimento humano, já se sabe há muito de sua utilização no esporte como recurso ergogênico, inclusive este figura como método proibido na classe de peptídeos e análogos da lista do COI. Entretanto, a terapia gênica do GH produziria de maneira endógena a super-expressão da síntese deste hormônio, que tem como grande mediador dos efeitos relacionados ao crescimento, as somatomedinas insulino-miméticas, ou IGFs, particularmente o IGF-1 (insulin-like growth factor 1), também utilizado como poderoso recurso ergogênico em modalidade que necessitam de força e tamanho musculares. Atualmente, ambos figuram na lista de substâncias proibidas, contudo, sua detecção não é tão fácil como as demais substâncias. Outros peptídeos como os MGFs (mecano growth factors), VEGFs (vascular endhotelial growth factors), PDGFs (plateled derivated growth factors), FGFs (fibroblast growth factors) e HGFs (hepatocyte growth factors) estão na última edição da lista.

Segundo muitos especialistas no assunto, o doping genético será uma realidade nas competições esportivas dentro de pouquíssimo tempo. Neste exato momento, há pessoas trabalhando no estudo destes recursos voltados à performance esportiva, isto é um fato. Obviamente, toda uma discussão acerca de ética quanto à utilização destes métodos deve ser fomentada à medida que se avançam os estudos. Como mencionou Pierre Levy em seu livro “O que é o Virtual”: a humanidade vivenciará reconstruções que as possibilitarão virtualizar o corpo, alterando o metabolismo pelas drogas, regulando as emoções e controlando a reprodução. Ao que tudo indica, esta é uma evolução que está apenas começando.

BONS TREINOS E ATÉ A PRÓXIMA!!!

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