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Creatina: Novas Evidências


Creatina: Novas Evidências

A creatina é um dos suplementos alimentares mais consumidos entre os praticantes de musculação, e ao mesmo tempo é fonte de discussão em relação aos seus verdadeiros benefícios. Infelizmente o que temos visto nas academias é falta de informação por parte de alguns profissionais que insistem em prescrever tal suplemento sem a devida formação, ou simplesmente usam o argumento que a creatina causa “inchaço” muscular pela retenção de líquido, e, portanto não deve ser utilizada.

Obviamente que a prescrição deste e ou de qualquer outro complemento alimentar só deve ser realizada por profissional qualificado, neste caso um nutricionista com especialização em nutrição esportiva deve ser consultado para avaliar a real necessidade da utilização de suplementos alimentares. Já está bem documentado na literatura científica, que a creatina promove resultados positivos em relação ao ganho de força e aumento de massa muscular, as dúvidas são em relação aos mecanismos responsáveis pelo aumento do volume hipertrófico.

Para esclarecer estes mecanismos, foi publicado em maio de 2010 um estudo de revisão na Revista Brasileira de Medicina do Esporte Vol. 16, No 3 – Mai/Jun, 2010. Efeitos da Suplementação de Creatina Sobre Força e Hipertrofia Muscular: Atualizações. Dos Autores: Bruno Gualano, Fernanda Michelone Acquesta, Carlos Ugrinowitsch,Valmor Tricoli,Júlio Cerca Serrão,& Antonio Herbert Lancha Junior. Os principais achados desta pesquisa estão descritos no texto abaixo.

A creatina é uma amina de ocorrência natural (produzida naturalmente pelo organismo) sintetizada endogenamente pelo fígado, rins e pâncreas, a partir dos aminoácidos glicina e arginina. Pode também ser obtida via alimentação, especialmente pelo consumo de carne vermelha e peixes (em relação aos peixes, os de coloração vermelha como o Salmão são os que apresentam maiores teores). A produção endógena (1g/dia) somada à obtida na dieta (1g/dia para uma dieta onívora) se iguala à taxa de degradação espontânea da creatina e fosfocreatina sob a forma de creatinina, por reação não enzimática.

A creatina é encontrada no corpo humano nas formas livre (60 a 70%) e fosforilada (30 a 40%). Cerca de 95% é armazenada no músculo esquelético, sendo que o restante situa-se no coração, músculos lisos, cérebro e testículos.

Desde que foi demonstrado que a suplementação de creatina (20g/dia por cinco/sete dias) promove aumento de 20% nas concentrações de creatina muscular, diversos estudos passaram a investigar o efeito dessa suplementação no rendimento físico-esportivo. (vale ressaltar que alguns estudos questionam a necessidade da realização da saturação para obtenção de resultados. EFEITO DA SUPLEMENTAÇÃO AGUDA DE CREATINA SOBRE OS PARÂMETROS DE FORÇA E COMPOSIÇÃO CORPORAL DE PRATICANTES DE MUSCULAÇÃO. Navarro e colaboradores, Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, Mar/Abril, 2007. CREATINA: METABOLISMO E EFEITOS DE SUA SUPLEMENTAÇÃO SOBRE O TREINAMENTO DE FORÇA E COMPOSIÇÃO CORPORAL. Carvalho e colaboradores Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, Janeiro/Fevereiro, 2009).

Os efeitos ergogênicos da suplementação de creatina em atividades intermitentes, como o treinamento de força, são bem descritos. De fato, diversos estudos, incluindo duas meta-análises, demonstram que a suplementação de creatina pode promover ganhos de força e massa magra. Embora os efeitos ergogênicos da suplementação de creatina no treinamento de força sejam bem documentados, os mecanismos pelos quais essas adaptações ocorrem não são totalmente elucidados.

A origem do ganho de massa magra, por exemplo, tem sido alvo de grandes discussões, já que é incerto se o fator responsável por essa adaptação se refere meramente a uma retenção hídrica ou a uma “verdadeira” hipertrofia. Recentes achados têm indicado que a suplementação de creatina pode alterar a transcrição de fatores miogênicos regulatórios, aumentar a eficiência de tradução protéica através da via hipertrófica PI3K-AKT/PKB-mTOR e controlar a ativação, proliferação e diferenciação de células satélites. Contudo, pesquisadores ainda divergem se a creatina per se é capaz de promover tais efeitos ou se a combinação ao treinamento de força é necessária.

Efeitos da suplementação de creatina na hipertrofia

Vários são os estudos que evidenciaram maiores aumentos na massa magra em consequência da suplementação de creatina, combinada com o treinamento de força. Em meta-análise conduzida por Branch, dos 67 estudos que mensuraram a massa corporal, 43 reportaram aumentos na massa corporal total e/ou massa magra decorrentes da suplementação de creatina.

Existem evidências suficientes para se afirmar que a suplementação de creatina acompanhada de treinamento de força resulta em aumentos de hipertrofia maiores do que aqueles vistos quando da suplementação ou treinamento isoladamente. Volek et al., por exemplo, evidenciaram que sujeitos que receberam suplementação de creatina durante treinamento de força de 12 semanas apresentaram maiores aumentos na área de secção transversa de fibras do tipo I, IIa e IIx em relação ao grupo controle, apenas treinado. Contudo, os mecanismos fisiológicos que explicam esse maior aumento da musculatura com a suplementação de creatina juntamente com o treinamento de força ainda não foram esclarecidos, entretanto existem muitas hipóteses sendo investigadas.

A seguir, discutiremos as recentes evidências sobre cada uma delas.

1. Efeitos da creatina sobre a retenção hídrica e balanço protéico

Talvez um dos primeiros achados fisiológicos atribuídos à suplementação de creatina tenha sido o aumento no volume total de água corporal. Por muito tempo, creditou-se apenas à retenção hídrica o notório ganho de massa magra e peso corporal decorrentes desse suplemento. Recentemente, contudo, tem sido especulado que mudanças nos conteúdos intracelulares (interior da célula) de água possam influenciar a tradução de proteínas contráteis. Berneis et al. foram os primeiros a fornecer importantes indícios que sustentam essa hipótese em humanos.

Os autores submeteram homens saudáveis às três condições definidas como de hipo-osmolaridade, hiperosmolaridade e iso-osmolaridade extracelular e observaram que, no primeiro caso, houve maior aumento na síntese protéica do que nas outras situações. Esse achado foi atribuído ao “inchaço” celular promovido pelo meio extracelular hiperosmótico. Resta saber até que ponto a suplementação de creatina é capaz de alterar significativamente o balanço hídrico, a osmolaridade celular e, por consequência, o balanço protéico em humanos.

De fato, poucos estudos investigaram se a suplementação de creatina pode alterar o catabolismo ou a síntese de proteínas. Parise et al. demonstraram, através da técnica de infusão contínua de leucina marcada, que a suplementação de creatina durante cinco dias não afeta a síntese proteica, embora tenha reduzido o catabolismo protéico em homens. Louis et al. não observaram alterações na síntese e catabolismo de proteínas, após cinco dias de suplementação.

O mesmo grupo falhou novamente em documentar possíveis alterações no balanço protéico quando da suplementação de creatina acompanhada de uma sessão de treinamento de força. Esses dados sugerem que a creatina per se, por um curto período, não altera significativamente o balanço protéico, mesmo quando combinada a uma única sessão de exercícios de força. Estudos futuros devem avaliar se a suplementação de creatina afeta o balanço protéico em longo prazo.

2. Efeitos da creatina sobre o volume de treinamento

Alternativamente, considera-se que a suplementação de creatina parece ter grande efeito sobre o aumento no volume de treinamento, como evidenciado nos estudos de Dangot et al., Volek et al. e Volek e Rawsom. De acordo com esses estudos, a creatina possibilitaria que o sujeito desempenhasse mais repetições com a mesma carga, o que poderia se traduzir em maiores ganhos de massa magra num programa de treinamento de longo prazo. Uma grande evidência que suporta essa hipótese vem do estudo de Syrotuik et al.

Esses autores relataram que sujeitos que receberam creatina, mas que desempenharam a mesma carga absoluta que o grupo placebo (apesar de serem capazes de levantar maiores cargas), apresentaram as mesmas respostas para força e hipertrofia, indicando que os benefícios advindos da creatina são associados ao aumento do volume de treinamento. Dessa forma, esses estudos sugerem que os efeitos da suplementação de creatina sobre a hipertrofia são dependentes da capacidade desse suplemento em aumentar o volume de treino. (No contexto apresentado devemos considerar os princípios do treinamento esportivo em especial: O Princípio da Adaptação, O Princípio da Sobrecarga e O Princípio da Interdependência Volume-Intensidade).

3. Efeitos da creatina sobre a expressão gênica e ativação das vias de trofismo muscular.

Existem recentes evidências de que a creatina pode efetivamente influenciar a transcrição gênica. Safdar et al. demonstraram que a suplementação de creatina por 10 dias é capaz de elevar a expressão de inúmeros genes envolvidos na regulação osmótica, síntese e degradação de glicogênio, remodelagem do citoesqueleto, proliferação e diferenciação de células satélites, reparo e replicação de DNA, controle da transcrição de RNA e morte celular.

Por não terem encontrado aumento agudo na síntese protéica após a suplementação de creatina em estudos anteriores, Deldicque et al.) estabeleceram a hipótese de que a creatina poderia atuar em vias intracelulares que precedem os processos de síntese protéica, regulando-as em longo prazo. Os autores investigaram os efeitos desse suplemento na expressão gênica de IGF muscular (também conhecido como MGF), ativador da via PI3K-AKT/PKB-mTOR, e nas expressões gênica, protéica e fosforilada de p70s6k e 4E-BP1, efetores dessa mesma via.

Em estudo cross-over, os sujeitos foram suplementados com creatina ou placebo e submetidos a biópsias musculares no repouso, 3 e 24h após sessão de treino de força para membros inferiores. Os pesquisadores verificaram que a expressão gênica de IGF-I estava aumentada no repouso, em consequência da suplementação de creatina. Além disso, observaram aumento na fosforilação do 4E-BP1 com a suplementação, após 24h. Deldicque et al., baseados no conjunto de seus dados, concluíram que a creatina pode atuar no crescimento muscular salientando o estado anabólico da célula, via IGF-I. Esse achado é corroborado por Burke et al. que verificaram aumento do conteúdo muscular de IGF-I como resultado da suplementação de creatina durante oito semanas de treinamento de força.

Além de atuar nas vias de hipertrofia, um recente estudo providenciou evidência de que a creatina pode atenuar os efeitos de corticosteroides na atrofia muscular em modelo animal. Os autores relembram que os mecanismos de indução de atrofia por corticosteroides não são completamente entendidos, mas pode envolver a diminuição de expressão do IGF-I. Baseando-se nos dados de Deldicque et al., Menezes et al.(43) e Burke et al.(21) é possível que a creatina atue tanto salientando a hipertrofia, quanto atenuando a atrofia, já que foi demonstrado recentemente que o IGF exerce controle superior de ambas as vias tróficas . Estudos futuros deverão investigar melhor essa possibilidade.

4. Efeitos da creatina sobre a proliferação e diferenciação de células satélite

Sabe-se que o núcleo da fibra muscular adulta não é capaz de sofrer mitoses, entretanto, o aumento do número de mionúcleos é necessário para a manutenção do domínio nuclear (volume de sarcoplasma pelo qual um mionúcleo é responsável pela síntese protéica) durante o processo de hipertrofia. Há diversos estudos afirmando que as células satélites (células quiescentes capazes de se diferenciar em fibras adultas) são as responsáveis por doarem seus mionúcleos à fibra muscular, mantendo o domínio nuclear e, assim, possibilitando a continuidade do processo hipertrófico.

Willoughby e Rosene (19) demonstraram que o treinamento de força combinado à suplementação de creatina é capaz de aumentar a expressão de fatores miogênicos regulatórios (da família MRFs, do inglês myogenic regulatory factors), como MRF4 e miogenina, parcialmente responsáveis pela proliferação e diferenciação de células satélites. Hespel et al. também relataram aumentos na expressão da MRF4 em indivíduos suplementados com creatina, embora não tenham encontrado alterações na expressão de miogenina.

Vierck et al. observaram aumento na atividade mitótica das células satélites de ovelhas suplementadas com creatina. Dangott et al. analisaram o efeito da suplementação de creatina sobre a hipertrofia muscular e a atividade mitótica das células satélites de ratos durante o processo de hipertrofia compensatória no músculo plantar de ratos (induzida pela remoção cirúrgica dos músculos sóleo e gastrocnêmio) e encontraram maior atividade mitótica no grupo suplementado. Olsen et al. verificaram aumento na área de secção transversa, no número de células satélites e mionúcleos em sujeitos suplementados com creatina e submetidos a treinamento de força. Segundo os autores, tais achados devem-se a já discutida ativação de MRFs mediada pela creatina.

Perspectivas e considerações finais

De acordo com Lemon, a grande limitação dos estudos que concluíram que a suplementação de creatina não promove hipertrofia é que a maioria deles empregou protocolos de curto prazo e sem treinamento de força. Espera-se que em um curto período de tempo surjam novos trabalhos investigando os efeitos da creatina combinados ao treinamen¬to de força por períodos mais prolongados (três meses em diante).

Além disso, graças ao advento da biologia molecular e o consequente avanço no detalhamento das vias de trofismo muscular, acredita-se que os mecanismos biomoleculares pelos quais a creatina exerça seu efeito ergogênico sejam bem descritos muito em breve.

Por fim, os consistentes dados presentes na literatura acerca do efeito ergogênico da creatina em atletas começaram, recentemente, a incentivar o uso terapêutico dessa substância em doenças caracterizadas por acometimentos musculares. De fato, alguns trabalhos já têm demonstrado melhoras clínicas e fisiológicas decorrentes desse suplemento em pacientes com miopatias inflamatórias e distrofias musculares. Uma excelente revisão sistemática sobre o tema foi recentemente publicada por Kley et al. Certamente, os efeitos terapêuticos da creatina emergem como um futuro e promissor campo de estudo.

Em conjunto, os estudos descritos nessa revisão sugerem que os ganhos de força e massa magra advindos da suplementação de creatina são consequências dos aumentos de retenção hídrica, expressão gênica e eficiência da tradução de proteínas relacionadas à hipertrofia, além da proliferação e ativação de células satélites. À luz da presente literatura, ainda não se pode afirmar com clareza se essas adaptações são ocasionadas por efeitos diretos da suplementação de creatina ou se são mediadas pelo aumento no volume de treinamento. Contudo, os efeitos da suplementação de creatina na promoção de ganho de massa magra e força são contundentes.

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