
Introdução: a experiência intermitente de Adam
No episódio 36 de seu podcast, Adam Ragusea mergulha no universo do leite, um tema que recentemente se tornou bastante pessoal. Ele compartilha que está enfrentando um episódio de intolerância à lactose, uma condição que, para alguns, pode ir e vir. Os sintomas relatados por Adam são os clássicos: inchaço, cólicas abdominais, gases e diarreia, que surgem mesmo após o consumo de pequenas quantidades de produtos lácteos, como um simples sorvete.
A tentação: sorvete
Apesar do desconforto digestivo, Adam confessa uma fraqueza: os sanduíches de sorvete da marca Nightingale. Ele faz questão de ressaltar que não se trata de publicidade, mas sim de uma apreciação genuína pelo produto. Originários de Richmond, Virgínia, e inicialmente uma empresa familiar, esses sanduíches são descritos como grandes, em formato de barra de ouro, e vêm em uma embalagem de papel pardo.
O que mais chama a atenção de Adam são os biscoitos: "super grossos e realmente mastigáveis". Ele especula que são feitos a partir de grandes folhas de massa assada e depois cortados em retângulos, o que lhes confere uma espessura uniforme, algo que ele particularmente gosta. A camada de sorvete é generosa, "preposteramente espessa", a ponto de Adam preferir cortá-la com uma faca para comer. Seus sabores preferidos incluem o "triple chocolate" e o "blondie".
Adam informa que os sanduíches maiores podem ser encontrados na rede Fresh Market, enquanto uma versão menor, chamada "Chomps", está disponível em locais como o Walmart. Contudo, ele lamenta que, durante sua atual fase de intolerância, até mesmo um "Chomp" seja suficiente para "arruinar completamente sua noite".
A ciência por trás: o que é intolerância à lactose?
Adam contextualiza sua experiência explicando a biologia por trás da digestão do leite. A maioria dos mamíferos, incluindo a maior parte da população humana adulta global, naturalmente reduz ou cessa a produção da enzima lactase após o período de amamentação. A lactase é essencial para quebrar a lactose – o açúcar do leite, um dissacarídeo composto por glicose e galactose – em açúcares simples que podem ser absorvidos pelo intestino delgado.
Sem lactase suficiente, a lactose não digerida segue para o intestino grosso. Lá, as bactérias residentes a fermentam, gerando subprodutos como gases (hidrogênio e metano), que causam os sintomas desagradáveis da intolerância. Adam menciona que a presença elevada de hidrogênio na respiração após o consumo de lactose é a base para um dos testes diagnósticos, o teste de hidrogênio expirado.
Um viés cultural? Intolerância como norma, não doença
Indo além da biologia individual, Adam critica o que ele chama de "patologização" da intolerância à lactose. Ele argumenta que considerar a intolerância uma doença é um exemplo de viés eurocêntrico na ciência e na medicina, potencialmente influenciado pela poderosa indústria de laticínios e pelo "complexo agroindustrial regulatório".
Ele reforça que a intolerância à lactose na idade adulta é a norma biológica global para humanos e outros mamíferos. A condição "anormal" ou a "aberração" evolutiva seria, na verdade, a "persistência da lactase" – a capacidade de continuar produzindo a enzima lactase e digerindo leite ao longo da vida adulta. Do ponto de vista cultural e histórico predominante, não ser capaz de digerir leite quando adulto é o estado natural.
Adam propõe uma definição mais individualizada de patologia: algo que acontece no corpo que a pessoa não gosta e gostaria de mudar. Nesse sentido, ele escolhe ver sua própria intolerância intermitente como uma patologia pessoal, pois o impede de desfrutar dos seus queridos sanduíches de sorvete, mas ressalta que esta é sua perspectiva, não necessariamente a norma biológica global.
A evolução da persistência da lactase: por que alguns adultos digerem leite?
Adam explora a origem evolutiva do leite e da persistência da lactase. O leite, característica definidora dos mamíferos, provavelmente evoluiu de glândulas sudoríparas ou sebáceas modificadas. Uma hipótese sugere que sua função inicial poderia ser manter úmidos os ovos de casca mais permeável dos primeiros mamíferos (que evoluíram de répteis). Com a evolução do nascimento vivo, o leite tornou-se a fonte ideal de nutrição para os filhotes, permitindo que a mãe os alimentasse sem sair do ninho.
A persistência da lactase é uma adaptação humana recente, surgindo com a domesticação de animais leiteiros (cabras, ovelhas, gado) há cerca de 10.000 a 11.000 anos, primeiramente no Oeste Asiático. Essa característica evoluiu independentemente em algumas populações:
- Norte da Europa: É o epicentro global da persistência da lactase. A teoria dominante relaciona isso à baixa exposição solar nessas latitudes. A luz solar é necessária para a síntese de Vitamina D, essencial para a absorção de cálcio. Como a lactose também melhora a absorção de cálcio, a capacidade de digerir leite teria sido uma forte vantagem evolutiva para prevenir deficiências de cálcio e doenças como raquitismo e osteoporose em ambientes com pouca luz solar.
- África Oriental: Em sociedades pastoris (ex: Sudão).
- Ásia Central: Observada em populações como os Cazaques, possivelmente ligada à migração dos Arianos.
- Arábia: Associada à domesticação de camelos.
Em contraste, populações que não dependiam tanto de laticínios ou tinham ampla luz solar e outras fontes de cálcio não desenvolveram essa adaptação generalizada:
- Sul da Europa: Os romanos, por exemplo, preferiam queijos e iogurtes (com lactose reduzida pela fermentação) a leite fresco.
- África Ocidental e Leste/Sul da Ásia: Possuíam diversas outras fontes alimentares (como o arroz, que permite múltiplas colheitas anuais na Ásia).
- Américas pré-colombianas: Praticamente não havia animais leiteiros domesticados (com a possível exceção da alpaca), logo, não houve pressão seletiva para a persistência da lactase. Adam nota que a maioria dos descendentes de nativos americanos e muitos hispânicos (com ancestralidade mista europeia e indígena) são intolerantes à lactose.
Além da lactose: outras causas e possíveis soluções
Adam ressalta que nem todo desconforto com laticínios é causado pela lactose. Outros fatores podem estar envolvidos:
- Intolerância a Proteínas do Leite: A beta-caseína A1, comum em leite de vaca de certas raças, pode ser digerida em beta-casomorfina-7, um peptídeo que pode causar inflamação intestinal em algumas pessoas. Isso poderia explicar por que alguns toleram melhor leite de cabra ou de vacas A2.
- Microbioma Intestinal: A saúde e a composição da flora intestinal desempenham um papel. Estudos com probióticos sugerem melhora na digestão de laticínios ao longo do tempo para alguns indivíduos.
- Composição da Refeição: Consumir laticínios junto com alimentos ricos em fibras solúveis ou gordura pode retardar o esvaziamento gástrico, dando mais tempo para a lactase agir. Leite integral pode ser melhor tolerado que o desnatado por esse motivo.
Para aqueles que sofrem com a intolerância à lactose, existem soluções:
- Produtos Fermentados: Queijos (especialmente os curados) e iogurtes possuem níveis reduzidos de lactose devido à ação de bactérias e fungos.
- Suplementos de Lactase: Enzimas de lactase em pílulas (como Lactaid) podem ser tomadas com a refeição ou pouco antes para ajudar na digestão. Adam adverte que a eficácia varia e a dosagem correta é importante. Ele menciona que a indústria de suplementos proteicos (whey protein) frequentemente adiciona lactase aos seus produtos.
- Laticínios Tratados: Leites "sem lactose" são tratados com a enzima lactase para pré-digerir o açúcar.
Considerações finais
Adam conclui que, embora a intolerância à lactose seja biologicamente normal para a maioria dos adultos, a decisão de considerá-la um problema ou uma "patologia" é individual, dependendo do quanto ela afeta a qualidade de vida e as preferências alimentares de cada um. Para ele, o desejo de comer sanduíches de sorvete Nightingale o leva a tratar sua condição atual como um problema a ser gerenciado.
Fontes de consulta:
1. RAGUSEA, Adam. Why some people can eat dairy, and others REALLY can't (PODCAST E36). Disponível em: <https://youtu.be/4i6zXxyMVJA>. Acesso em: 7 abr. 2025.
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